segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

João


João, ainda no colégio,
já quase entendia como a vida funcionava
Não que a compreendesse realmente (e alguém já a compreendeu?)
Mas porque desconfiava,
sabia que a ordem não era assim tão natural
Porque era curioso, suas perguntas despertavam um sentimento confuso
Assim,
Meio de admiração,
meio de perplexidade.
"Fica quieto, João!
senão chamo a diretora!"
Ele se chateava.
Mas porque era vívido,
logo estava fazendo alguém sorrir
E porque era antídoto,
esse sorriso logo se misturava com o seu
Não esquecia aquele cínico.
"Por que o professor não me respondeu?"
Mas porque era único,
sabia que um dia ele alcançava
E se tinha dúvida,
sabia que ia descobrir por si só.
João - isso ele ainda não sabia -
tinha muito privilégio
Não tinha lá muita coisa pro almoço
Nem tinha bola, ou violão (essas coisas de menino de escola)
Mas João tinha amor
E, porque amava, vivia
Era feito de memórias e ausências vestidas
Tinha saudades que nem mesmo conhecia
E sonhava com amores, não camas vazias
João questionava cada coração calado
Mas, sendo assim, também era questionado
"João, e as namoradinhas?"
Em qualquer canto, sempre tem aquela tia
João tinha várias, sem respostas - nem pra suas próprias questões ele tinha
Mas o porquê do plural ele não entendia
João não queria várias, nem inhas
Queria alguém que acompanhasse suas dúvidas
E o instigasse com a curiosidade que ele tem por um olhar arraigado
Ou por aqueles efêmeros, que fogem do encontro,
sem rumo ou qualquer nitidez.
"Que graça que vê nisso? Bora zuar!"
Ele ria.
Perdia menos energia assim,
que tentando levar à juventude
o que, há tempos, se perdeu por aí
Ria pra não ter que lidar com dissabor
Ou com a falta de virtude
daqueles que não vêm amor em olhares e abismos
Abismos de amor mesmo, ele dizia
João gostava de aventura
Não se prendia ao chão porque liberdade é voar
Sempre achou muito óbvio andar por linhas retas
E gostava da vertigem que dava a sinuosidade das curvas
Era desafiador, não gostava de andar em círculos
E sempre fechou ciclos
João era começo e recomeço
De erros que se erguem em futuros acertos
De libertinagem que insistia em perturbar
"João, tu perdeste o juízo?"
João nunca teve.
Mas o que mais importa nele há:
Vida e pão.
Tinha muito privilégio, não sabia.
Correu no abismo e voou.
"Volta, João!"
Calma...
Um dia ele volta Sabiá.

Daniela Dino e Tiago Dâmaso

(Primeiro poema em parceria, de muitas parcerias que virão dessa dupla)

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