quarta-feira, 26 de março de 2014

Samba da Alma

Queria ter o dom de fazer minha rima virar samba
Mas o samba já nasceu poesia
Fruto do quebrar do banjo e do pandeiro
Do gingado da mulata
Das avenidas de janeiro a janeiro.

Uns dizem que o samba é pra quem pode
Outros, com "ousadia e alegria",
que samba é a mesma coisa que pagode.

Mas não.

O samba, primeiro, é pra quem quer,
E a poesia do samba não se confunde,
Em vírgula alguma,
Com outro ritmo ou rima quaisquer.

O samba é coisa do morro,
Do povo, da gente, do mundo.
O samba pode ser de raiz
De gafieira, de roda
De aprendiz
Que será ainda, dos ritmos, o mais profundo

O meu samba não é de quadril
Nem de passo a passo
Meu samba é de fevereiro,
março,
abril.
Meu samba é samba de compasso

De dois a dois,

Num embaraço

Através

Da calma.

E há quem diga, ainda hoje,
que se samba com os pés

Meu corpo, um mero aprendiz,
já sentiu, na pele, que eu sambo com a alma.

Caminhos de luz

Atravessam rios
Sombrios
Vazios.
Caminhos de luz tardios
Caminhos de vento sadios
De corações vadios
E desalmados.
Atravessam rios calados
Por tempos amordaçados,
Por Putas, pobres e pães fiados.
São tardios, mas sadios,
de luz, confetes e alvedrios.
Caminhos de luz
são sempre do agora
Ainda que de dentro,
Ou mesmo a luz de fora.

Daniela Dino

Arquitetura

Algumas doses de dias e meio bêbada de tanta sede: O suficiente pra me fazer rimar essa vida que é a arquitetura.

No céu traçado - e trançando por nuvens,
Obscuras, gris e sutis
há arquitetura.

Na padaria das sete,
nas embalagens de confete,
ou num projeto de maquete.
Há no sorriso apaixonado,
num prédio abandonado,
ou num sonho alimentado.
Na esplanada,
Nas catedrais,
Nas danças.
Há arquitetura em tudo.
No olhar de um cego
No falar de um mudo.

Há arquitetura no meu olhar
No meu sonhar
No meu viver.
Pra amanhã
Pra agora
Pra mim
E pra você.

Fotografia em forma de poema

Guardo-te nos olhos
Numa lente qualquer de uma máquina ainda fotográfica
Tens um tanto de poesia
E um quanto de todo canto por onde andas.
Tens um manto de maresia
E um bando de campos floridos, de sóis esquecidos, de luas tímidas em céus tingidos.
Guardo-te em lentes embaçadas
Em caixas bagunçadas
Em molduras da época de retratos - dos antigos, sombreados por sombrinhas e estações de trem.
Tens um pouco de saudade
Um muito de cada momento também.
Um Q estonteante de lembranças
Outro calado de nostalgia
E inda outro moldado de bem.

Tens um pouco de tempo
Tuas cores preto e branca revelam teu relógio, marcado pelas falhas em tua falta de cor e teu excesso de tinta fresca no relicário
O tempo não passou.
Quando te olho vivo teus detalhes, teus momentos, teu passado
E, enquanto vivo, tiro outras fotografias pra lembrar-me como é poetizar-te no cristalino do meu olhar - um preto e branco mais colorido que o presente.

Daniela Dino

segunda-feira, 10 de março de 2014

Canção de Amor Gramatical

Amar não é verbo de ação
É verbo de ligação
Estado
Ou Predicativo do meu sujeito.
Amo-te no futuro do presente
Como amara ontem
No pretérito mais que perfeito.

Amo na linguagem culta, normativa
Amo no linguajar pobre
Mas rico em expressões conotativas

Amo no sotaque e na sua ausência
Na mistura das variações regionais
Na semântica, na sintaxe, na regência

Amo nos períodos simples e composto
Nas funções de linguagem
No vocativo e no aposto

Amor não é objeto de voz passiva
É objeto direto e indireto
De um período composto por dois sujeitos simples:
Agentes de voz ativa!

Amar não é verbo de ação.
Eu sou amar
Tu és amor
Uma relação de concordância
E não subordinação.

Amor é adjunto, advérbio, adjetivo
É pronome nominal, passivo, (passional)
É artigo definido,
Pro nome relativo
A essa canção de amor gramatical